Sambaquis Amazônicos: Monumentos que Contam a História de Milênios
Uma série de descobertas notáveis na Amazônia tem revelado a existência de sambaquis — monumentos de terra e conchas construídos por antigas populações indígenas de coletores e pescadores, datando de milhares de anos. Ao examinar esses sítios arqueológicos, uma missão de pesquisa franco-brasileira tem conseguido identificar evidências concretas das alterações na biodiversidade local e, consequentemente, nos padrões alimentares dos povos que habitaram a floresta.
O Estudo da Ocupação de Longa Duração
Os sambaquis, que podem ter sido locais de memória, moradia ou cemitérios, representam um registro de ocupação contínua por um período extenso, que em alguns locais, remonta a cerca de 3.500 anos. De acordo com a arqueóloga Gabriela Prestes Carneiro, pesquisadora do Museu Nacional de História Natural (MNHN) da França, a longa permanência humana nesses locais permite um estudo aprofundado das transformações ambientais e da evolução das práticas alimentares das comunidades originárias.
Vestígios da Dieta Antiga e a Reconstituição da Microfauna
As escavações e análises dos sambaquis, notavelmente os encontrados na região do Baixo Amazonas, oferecem um panorama da vida e dos hábitos alimentares ancestrais. A decomposição das conchas nesses sítios libera carbonato de cálcio, o que atua como um conservante natural para restos orgânicos.
A Dieta Revelada e o Uso de Recursos
A preservação de microfauna — sementes, escamas de peixes, restos de anfíbios, mamíferos, entre outros — permite aos cientistas reconstituir o ecossistema da época e os alimentos consumidos. Foram identificadas diversas espécies de moluscos, como o uruá, que faziam parte da dieta e eram até processados para fazer farinha. Curiosamente, muitas dessas espécies já não são consumidas pelas populações atuais. Também foram encontrados vestígios de animais como bacus-pedra e tamoatá, peixes com muitas espinhas, que eram predominantes na alimentação do passado, mas que são raros nos mercados de hoje.
Ameaças Modernas e a Relevância do Conhecimento Ancestral
O conhecimento obtido por meio da arqueologia tem implicações importantes para o presente. Devido a mudanças socioambientais e à crescente disponibilidade de alimentos industrializados, as práticas alimentares tradicionais na Amazônia têm sido alteradas, com a substituição da carne de peixe por frango congelado e outros produtos.
Aplicações do Passado para o Futuro Sustentável
Os dados arqueológicos fornecem uma base de conhecimento que está sendo utilizada por pesquisadores em áreas como etnobiologia e nutrição para tentar reintroduzir espécies e hábitos alimentares do passado. Iniciativas têm sido desenvolvidas para promover o retorno de plantas e práticas antigas na merenda escolar e nas comunidades, visando a melhoria da nutrição e a valorização da biodiversidade local. Contudo, a pesquisa enfrenta um desafio urgente: a ameaça da destruição dos sítios arqueológicos por navios cargueiros que transportam soja, cujo tráfego constante nas margens dos rios tem provocado a erosão e a perda de valiosos registros históricos.
Conclusão:
O estudo dos sambaquis amazônicos não apenas oferece uma janela para as transformações ambientais e sociais ocorridas ao longo de milênios, mas também evidencia a profunda capacidade da ação humana de moldar a floresta. Ao revelar as práticas alimentares e a relação das antigas populações indígenas com a biodiversidade, a pesquisa franco-brasileira liderada pelo MNHN e apoiada pela FAPESP sublinha a urgência de preservar esses sítios. Os achados fornecem um arcabouço de conhecimento essencial para a promoção da reintrodução de práticas alimentares sustentáveis e para a valorização da memória cultural das comunidades tradicionais, que continuam a ser impactadas pelas mudanças ambientais e sociais do presente.
Com Informações do site: CNN Brasil
